777 Zenbakia 2023-02-15 / 2023-04-12

KOSMOpolita

Na esquina do frontão do Club Atlético Paulistano. Conversando com Soraya Cuellas

UGARTETXEA ARRIETA, Arantxa

Falar sobre a “vida em si” com Soraya durante minhas visitas e curtas estadas em São Paulo (Brasil) após a morte de José Ramón Zubizarreta, tem sido um dos melhores incentivos para voltar e recriar minhas experiências paulistas. Entre os diferentes ambientes em que compartilhei essa amizade, está o tão querido e especial espaço da quadra de pelota basca. Soraya é jogadora de cesta punta, modalidade da pelota vasca e paleta goma, "pellotari" por vocação e admiradora deste nosso esporte. 


 

Já foi campeã de tênis na cidade de São Paulo. Empresária, tem uma linda loja de troféus que nos anos em que morei em São Paulo, geriu com dedicação responsável e ao mesmo tempo que criava relações comerciais de maneira descontraída e amigável. Atualmente está aposentada e delegou o comando da fábrica e loja para o sobrinho Carlos. 
No Clube Paulistano, em São Paulo existe um frontão (uma quadra) que abriga os melhores cesteiros amadores, incentivados pelo dedicado, Alfredo Correa Soeiro.  

Este esporte cresceu singularmente, graças à dedicação deste jogador de pelota, que ama este esporte como ninguém, Alfredo é médico psiquiatra de profissão.  

Nas últimas visitas a esta cidade sempre participei de momentos muito bonitos e cativantes neste frontão graças à generosidade de Soraya e Alfredo, que vivem esta realidade como um verdadeiro troféu de vida. Me sinto  em Euskal Herria, com nuances brasileiras, quando entro na “quadra” do frontão, é algo inexplicável!  

Este Clube ostenta uma pedra preciosa de valor incalculável, que é o FRONTÓN. 

Não é a primeira vez que a Euskonews informa sobre esta quadra singular, e as pessoas que o frequentam (Euskonews 237). 

Meu desejo é falar com Soraya sobre a São Paulo de hoje, com seus prós e contras, principalmente porque estão neste momento, em um período eleitoral. Me parece que o Brasil está situado entre o bom e o mau ladrão e todas as conotações sociais que isso implica. 

Com a economia à deriva e a pobreza no rosto da população, existe um país rico e com muita fé em Deus, “acima de todas as coisas” sempre acreditando em um milagre da espécie humana. 

Este é o cenário atual em que se encontra o Brasil.

Gostaria de imaginar uma partida de cesta punta, jogada entre nós duas, analisando o Brasil em um jogo de transcendência internacional e porque não dizer mundial. 

Arantxa:
Os jogadores de pelota Vasca sonham em sair da quadra, vestidos de branco e imaculados, convencidos do poder da transcendência e brancura celestial, com ar de quem sabe tudo sobre a cesta, bola e o frontão, mas, não controlam a plateia e o público. Estão dispostos a arriscar tudo, sentem-se onipotentes e vão mostrar isso ao público que acredita neles e os aplaude sem parar.  

Diga-me o que acha e qual é a jogada. O que te incomoda neles? A brancura celestial? O brilho da cesta? O ponto bem jogado? O golpe firme e seguro? O que o público aplaude? O que domina jogo? Diga-me como se posiciona e além disso, quem sairá vitorioso e quais são seus recursos.  

Espero que como sempre, você esteja vestida para o , acompanhada de sua cesta para poder suportar a chegada da bola, que seu discernimento seja certeiro e que o público se levante para recebê-la, e finalmente, aguardando a grande jogada. 

Em suma, pode argumentar como quiser, mas terá que sofrer para ganhar o jogo. O juiz desta partida poderá ser Alfredo, porque sabe muito sobre “o instinto de plateia na sociedade do espetáculo". O julgamento final passará por suas mãos! 

À esquerda Alfredo Correia Soeiro; Soraya Cuellas à direita e Arantxa Ugartetxea
ao centro com os dois jogadores de pelota basca no frontão do clube paulista.

Soraya:
Permita-me falar um pouco sobre mim, porque ao fazê-lo recorro à minha memória histórica e para isso me coloco geograficamente na Europa, o lugar onde tudo começa. 

São meus antepassados que farão parte do público deste jogo no JAI ALAI em São Paulo. 

Tenho orgulho de pertencer a uma linhagem de pessoas peculiares que hoje fazem parte do público da minha vida.

Em estrita ordem e com a dignidade que merecem, começo por: 

  • Meu bisavô, que resistiu em seu leito de morte até saber que os russos haviam entrado em Berlim durante a segunda guerra mundial e aí ele disse: “agora eu posso morrer” e no dia seguinte ele faleceu. Este foi o pai de: 
  • Minha avó Júlia que era uma mulher vibrante e cheia de vida e se apaixonou pelo capataz da fazenda do meu bisavô. Fato chocante, naquela época, para a sociedade de Santa Fé de Granada.  
    Casaram-se, e meu avô o capataz, decidiu embarcar para o Brasil, pois tinha familiares por aqui.  
    O Brasil era um novo país, cheio de oportunidades, bem diferente da Espanha, despedaçada e sob o comando do ditador Franco.  
    Vieram sem nunca mais voltar ao seu lugar de origem. 
    Minha avó Julia cantava como uma deusa. Entre outras músicas, Granada, sendo o seu palco o quintal da casa da Rua Capote Valente em São Paulo, e o seu público formado por pessoas que passavam na rua e ouviam a sua maviosa voz. 
  • Francisco, o ateu que você conhece, tenente coronel da aeronáutica, participou de um dos movimentos mais importantes da história recente do Brasil, “O petróleo é nosso”, no qual muitos de seus colegas e companheiros foram torturados e mortos. 

Arantxa:
Vejo seu bisavô, avó Julia e seu pai, sentados na tribuna de honra. 

Começo a entender o significado do paredão do frontão com a entrada dos russos em Berlim, ao mesmo tempo em que percebo que o muro caiu e o frontão permanece de pé, dando um significado autêntico à importância do esporte. 

Sua avó Julia tem muito a ver com José Ramón Zubizarreta, meu marido, como construtor e tenor e um dos fundadores do primeiro Euskal Etxea em São Paulo, cujo frontão construído por ele, existe até hoje. 

Acredito que esta dupla poderia ser autora do verdadeiro hino dos pelotaris, quando eles vestidos de branco, irromperiam no JAI ALAI de forma espetacular sob aplausos de uma plateia em pé. 

Francisco seu pai se assemelha ao "gudari" (soldado) que sobrevive para contar o drama ocorrido, como também aconteceu com José Ramón (gudari na guerra civil espanhola de 1936). 

A bola neste caso, atingiu o ponto mais alto do frontão, acompanhado pelo aplauso emocionado de todos que permanecem surpreendidos nas arquibancadas. Este ponto é a favor deles e de seus seguidores. O Todo-Poderoso ficou estarrecido, e a brancura manchada para todo os séculos e séculos, Amém. 

Soraya:
Isso vem acontecendo em várias partes do mundo e por diferentes motivos, encontramos frontões ainda de pé até hoje.  

José Ramón Zubizarreta, assim como outros bascos que aqui chegaram, por causa da guerra civil espanhola, trouxeram para o Brasil este apaixonante esporte. 

Minha avó, atravessou o oceano construindo seu ninho aqui dando à luz a meu pai, um amante do esporte, e seus irmãos. 

No que me diz respeito, comecei minha vida esportiva incentivada pelos meus pais, jogando tênis, badminton e por último a pelota Vasca. 

Alfredo Correia Soeiro.

Foi Alfredo Correia Soeiro (bajo el arco de cesta puntas) no club Athlético Paulistano que colocou a cesta de JAI ALAI na minha mão, a partir deste momento, através da convivência com este esporte e este professor, ocorreu, em minha vida, mudanças graduais.  A palavra correta é transformação. Ao longo desta convivência ocorreram mudanças na minha vida pessoal, política e esportiva. Acredito que Alfredo Correia Soeiro foi para mim o que o educador, Paulo Freire representa para você.  

Como pode notar, dentro do conhecimento da dialética da minha vida, é impossível separar o desenvolvimento pessoal do esportivo e da política. Em consonância com esta reflexão, a notícia que você me deu outro dia de que a Federação Vasca Internacional de Pelota, finalmente, reconheceu a SELEÇÃO VASCA (25/10/2022) para participar de torneios internacionais.  

Este é o resultado de uma luta política de muitos anos, um reconhecimento justo ao nosso esporte que independentemente de sua origem histórica, é basco por direito!  

Onde há um frontão é porque houve um José Ramón Zubizarreta carregando este esporte ao redor do mundo em seu coração. 

Felicito a todos por esta decisão! O País Basco deve estar em festa, como todos nós. 


 

Arantxa, o frontão é concretamente a nossa história de amizade, nesta foto estamos em sua casa em Donostia-San Sebastián e já navegamos por todos os mares nesta dádiva que é o JAI ALAI. Como se fosse nossa arca de Noé, colocando aqueles que consideramos bons para dentro e expulsando os ruins. Hoje, abrimos as portas para a SELEÇÃO BASCA e expulsamos a política do meu país.

Arantxa:
Sim, Alfredo nos ajuda a evoluir. Ele nos simboliza pois sabe receber a bola, o nanomundo em que vivemos em seu colo, que nada mais é do que a cesta depois de ter sido jogada na parede de maneiras diferentes e em alturas diferentes, para lançá-lo novamente nesse universo de que você me fala, tornando este esporte um verdadeiro espetáculo mundial. Durante anos, antes mesmo de descobrir o País Basco, cuidou das bolas, dos cestos e do frontão, fazendo muitos pontos com o fio da forma mais rústica e carinhosa. ELE é juiz e faz parte do JAI ALAI do club Athlético Paulistano. 

Também quero lembrar das duas filhas de jogadores de pelota que deixaram o Brasil para a China quando a lei proibia apostar nos frontões. 

Elas nos contaram sobre as mil e uma noites de suas vidas naquele país. Duas mulheres que nos proporcionaram encontros saborosos com quem resgatamos histórias peculiares, uma autêntica memória histórica da pelota basca. Também elas permanecem elegantemente sentadas e com toda a dignidade nas arquibancadas do frontão. 

Além disso, conhecer Heraldo Biscayzacu através do Euskal Etxea foi outra descoberta, ele é uruguaio e descendente de Zuberoa (País Basco Francês) por parte de pai. Jogador de pelota mano do clube Banespa em São Paulo, a quem a Federação Internacional de Pelota Basca deu a oportunidade de conhecer suas raízes. Foi um prazer para mim nesta oportunidade acompanhá-lo enquanto ele conhecia as quadras de Euskadi. Ele também faz parte desse público extraordinário. 

Como Alfredo, sempre comentou comigo, os pelotaris globalizaram a pelota basca antes da tão badalada globalização. 

O que você me diz da política do seu país. Amanhã é dia de eleições (30/10/2022). Sinto clara a inclinação do seu voto dada a sua memória histórica ou talvez possa ser um voto em branco, não sei ao certo. Além do voto, gostaria que você me dissesse como vê ou sente o Brasil, neste momento, porque é o grande crucificado no meio dos dois candidatos majoritários. 

Para falar sobre isso, acho que devemos abandonar JAI ALAI e deixar os jogos do dia, porque o frontón é um universo em que a lucidez tem sua própria genialidade em um espaço em que a música da bola com seus diferentes golpes recria e sublima nossa condição humana. Esta é a sua linda onipresença. 

Que tipo de política você gostaria para o Brasil de hoje e mais especificamente para São Paulo? Que nuances? Que sensibilidades? O que você removeria?  Acho que você tem sua opinião. Quer me contar algo especial? 

Soraya:
Uma verdadeira política para o povo resolverá o futuro do país. Ainda somos indígenas vivencialmente. 

O poder é visto como corruptor, mas apesar de tudo não consigo deixar de acreditar no Brasil. 

Arantxa:
O Brasil começou a se perder há muito tempo. Sinto muito, mas acredito que a maioria do povo brasileiro nunca conseguirá se salvar, basta abrir os olhos e olhar. 

Soraya:
Prefiro não acreditar nas suas palavras e estar cega. 

Estamos muito próximos do futuro e muitas coisas irão acontecer, mas a vida está além da nossa própria existência. 

Somos uma pequena parte da história do mundo. 

Nossa história é muito recente. Fomos colonizados por europeus a partir de 1500. 

Nosso índio somente agora consegue falar, entender, comunicar-se e analisar sua própria história. Atualmente, chegaram na condição de grandes estudiosos e doutores.  

Nosso negro, toma consciência da sua real importância na nossa história e a sua participação no crescimento do país e beleza. 

É muito bonito e empolgante acompanhar um povo que está se descobrindo. 

Em novembro, estamos comemorando o mês da consciência negra e esta data é para lembrar que a maioria da população é negra e deve ocupar seu lugar de direito com dignidade. 

É preciso ver isso de perto em nossas rádios, televisões e na internet. São educadores contando histórias guardadas em famílias..., são estudos sobre a condição negra e sua evolução. 

Uma visão diferente daquela do dominador. É o que está acontecendo hoje no Brasil, estamos aprendendo a nossa verdadeira história contada pelos próprios brasileiros. 

Não vamos esquecer a Europa e a China passaram por situações muito piores. 

Arantxa:
Acho que a gente tem que fazer um esforço para não cair, porque depois de cair é muito difícil.  

O ruim é que alguns de nós já conhecemos o bem-estar e agora estamos caindo no caos. 

Soraya:
Os momentos históricos não podem ser medidos pela particularidade pessoal. 

Nós, os mais velhos, tendemos a desanimar porque temos a visão unica de toda uma vida e ficamos indignados por não ter feito mudanças e as transformações necessárias, apesar de termos contribuído para isso. 

Porém, as coisas estão acontecendo, no Irã, por exemplo, mulheres e homens estão despertando. 

Mudanças desse tipo, são muito importantes para o mundo. Pequenos movimentos para um planeta, mas grandes mudanças para a humanidade. 

Vou contar mais, acredito que o cérebro humano é a matéria mais importante e valiosa do nosso planeta. Ao mesmo tempo em que ainda lutamos pela igualdade das mulheres, pela erradicação da fome, da miséria no mundo e pela inclusão das minorias, estamos transformando nosso planeta em um organismo semelhante ao cérebro humano.  

Somos hoje os olhos, ouvidos e inteligência do planeta no universo. 

Tentamos nos comunicar com outros planetas, vislumbrar outras galáxias e perceber outros sinais de vida. O planeta Terra é um cérebro em formação neste universo. 

Este novo ser, que será maior, não falhará em sua evolução. 

Arantxa:
Não me considero pessimista, simplesmente acredito que vemos a dor de outras civilizações e até a nossa à distância porque realmente nós somos privilegiadas. O abismo que nos separa daqueles que não podem viver por séculos é inconcebível para mim. 

Não estamos prontos para o suicídio de classe e quando digo classe, quero dizer qualquer classe, de cima, do meio, de baixo e até do subsolo, passando por todo tipo de transcendências ilusórias. 

A primeira vez que ouvi falar de suicídio em sala de aula, ouvi de Freire e fiquei muito chocada e não entendi bem o que isso significava ou poderia significar e até pensei que não deveria ser assim.  

Em minhas andanças pela América do Sul em programas de alfabetização em lugares economicamente deprimidos, comecei a entender um pouco melhor que esse suicídio de classe tinha que acontecer em todas as partes dos espaços sociais muito diferentes para começarmos juntos a construir o novo homem e mulher. 

Se isso é difícil para nós, para os desamparados no mundo é quase impossível, devido à sua própria condição desumana, é como se não houvesse mais volta.  

Continuo vendo que hoje (já tenho 80 anos, você é muito mais jovem) para nós, pessoalmente, isso continua sendo difícil socialmente, porque é evidente para as instituições e governos atuais. 

A verdade é que essa situação me mantém tensa até hoje enquanto me humaniza, passei a entender melhor aquela dedicatória de Paulo Freire em “Pedagogia do Oprimido” AOS DESAMPARADOS DO MUNDO E AOS QUE SE IDENTIFICAM NELES, COM ELES SOFREM E COM ELES LUTAM.  

Temos que nos descobrir com eles, que aspecto da nossa sensibilidade está neles ou deles e eles em nós, para podermos remediar essa situação. Estamos acostumados a não querer nos vermos neles, muito pelo contrário. 

Soraya:
Estamos sentindo falta do café que deveria acompanhar essa troca de ideias!...  

Nunca pensei em anos anteriores que a mídia, concretamente a internet, me mostrasse a realidade dos acontecimentos pelo mundo. Um mundo de transformações surpreendentes. 

Exemplo disso atualmente no Brasil, é a cantora Anitta, que enche estádios de jovens e pasme, surgiu de um mundo totalmente virtual. O que me impressiona é a existência de um mundo virtual que revela pessoas como Anitta, com este poder de comunicação incrível. Também é o caso de Amom Mandel que, aos 21 anos, se tornou o deputado federal mais votado do Brasil nas eleições de 2022, tendo apenas um segundo de tempo nos programas eleitorais da rádio e da televisão.  

Mandel recebeu 288.555, o que representa 14,49% dos votos válidos do estado do Amazonas, conectando-se com as pessoas apenas por esse novo meio de comunicação, ou seja, pela internet. 

No passado surgiu o comportamento de Jesus, existindo ou não, essas ideias mudaram valores pessoais e sociais, em prol da raça humana, que ainda estava próxima da idade da pedra. Foi totalmente necessário para a evolução do homem. Foram as primeiras regras do nosso mundo ocidental de como ser e agir.  

Muitos anos depois, surgiu Marx para mudar o comportamento dos trabalhadores que na época eram escravizados sem direitos, em um mundo que começava a se industrializar, marcando assim a história dos trabalhadores.  

Na Ásia temos, Mao mudou o comportamento do povo chinês, vindo do campo.  

Na China antes da revolução, temos que recordar, que carroças passavam pelas ruas recolhendo cadáveres por causa da fome e das doenças. 

Hoje podemos criticar este país, mas a realidade é que buscaram diferentes formas de mudanças. 

Conseguiram revolucionar mesmo cometendo muitos erros. Temos que considerar a complexidade da China e sua história, avaliando como está no momento, porque ela é uma potência.  

Não estou falando de sua condição democrática.  

Tenho um amigo que conhece bem a China e ele diz com muita graça: “Se vocês tem medo da China comunista… aguardem a China capitalista!” 

Uma única pessoa pode mudar uma história, uma condição humana. 

Voltando para Anitta e o deputado a que me referi anteriormente, reflito sobre o fato de que alguém com essa consciência que estamos falando, promoverá as mudanças necessárias. 

É um mundo virtual que existe e está presente no dia a dia, e essa pessoa poderá aparecer, por que não? uma pessoa com consciência humana, política mudar e evoluir toda a história de um povo. 

Essas mídias também podem ser manipuladas e não serem bem utilizadas, mas a realidade é que as novas gerações estão aí, e promoverem as mudanças de que tanto necessitamos.  

Prefiro não acreditar nesse abismo, e sim em algo transformador 

Pode ser uma revolução da qual nem imaginemos, vinda desse mundo virtual. 

Pensar assim me fascina! 

... Quanto à condição a que você se refere na América do Sul, quando diz que vidas inteiras se foram, é verdade, mas não se trata de retroceder, e sim de que nunca tiveram oportunidades.  

Você contribuiu em seus primeiros passos para o que pode vir. Em muitos lugares estamos aprendendo a andar, ler e entender o mundo. 

Por vezes damos um passo para trás e outros dois para frente e assim por diante. 

Assim seguimos. 

Arantxa:
Soraya, mas enquanto isso? O abismo é real, o esfarrapado e nós também. Os Messias, também os matamos, embora eles permaneçam ali histórica e virtualmente para seus seguidores. Não somos os únicos que questionam como sair disso, haverá algo melhor, algo está sendo feito com certeza, aí continuamos e continuaremos nessa evolução. 

Talvez tenhamos que mudar os nomes das coisas. Acredito que devemos reconhecer o abismo com esperança ancorada em nossa própria transcendência histórica ao mesmo tempo, a realidade não exclui a esperança, elas se alimentam umas das outras. Existe o “inédito viável” de que falava Freire, uma nova história é viável, mas deve ser editada por todos. Acho que a consciência mágica virtual é necessária, mas não é suficiente porque nela também está o ser humano precisando de mais humanidade. 

Soraya:
Estamos falando da evolução da qual fazemos parte. Lembro-me de uma entrevista sua que tenho gravada, na qual você fala daquele Brasil que gosta, contando como em volta de uma mesa você aprendeu a dividir, sem o ritual do primeiro prato, prato principal e sobremesa porque aqui tudo é colocado na mesa de uma só vez e cada um escolhe o que quer comer e saborear no seu próprio ritmo. 

De longe você sabe apreciar aspectos da nossa cultura que agregam à sua experiência pessoal, a qual me encanta. Você também falou dessa integração de culturas que dá origem ao “genérico brasileiro” que o antropólogo Darcy Ribeiro fala e explica tão bem no livro “O povo brasileiro”. 

Estamos começando uma nova civilização, uma nova cultura com novos costumes, desde os pratos na mesa que observou, até aquela mistura racial de uma gente que ainda não sabe que é um povo. É verdade que estamos, de momento, submersos no caos, mas algo terá que emergir como de fato começamos a notar. 

Arantxa:
Sim, muito obrigado por sua sensibilidade para comigo. Você já tem um novo presidente. Com o consequente descontentamento dos seguidores de Jair Bolsonaro, Luís Ignacio Lula da Silva foi eleito, embora essa vitória não tenha sido reconhecida pessoal ou socialmente, ainda que legalmente, como é usual em todas as democracias. Faz-me refletir mais uma vez ver como quando a política não funciona, as religiões vêm lutar na primeira fila, a Constituição é falada com autoconfiança e a possível ação do exército é exigida. 

O Brasil em que vivi teve a sorte de vivenciar a presidência de Enrique Cardoso e a pedagogia de Paulo Freire. Ambos os parceiros de vida durante o exílio que sofreram em Santiago do Chile. Quem me diria! Os dois continuaram tentando fazer a mudança que você está falando e posso dizer que eles conseguiram comigo. 

Não foram mágicos, eram reais, espiavam o abismo e desciam alguns degraus, hoje estão no mundo virtual compartilhando a vida conosco. Eles foram muito claros sobre a frase evangélica que diz: "a César o que é de César e a Deus o que é de Deus". Que saudade!

Soraya:
Há algo importante para mim nesta situação atual do Brasil, setores que não estavam interessados na política em tempos anteriores, agora, liderados por suas crenças, participam politicamente, é como na Bíblia: “Deus escreve certo com linhas tortas” e ouso dizer que “as pessoas escrevem certo com linhas tortas”.  

O sectarismo não leva a nada de bom. 

Os exércitos são formados por comandos, por generais a quem os de baixo obedecem às suas ordens. Trata-se de uma instituição com poder de Estado que cria ditadores, e há quem acredite que esta seria a melhor solução para o Brasil por medo do comunismo no qual perderiam tudo (nosso presidente eleito é comparado a um comunista e também à esquerda), são pessoas que preferem a ditadura militar. 

Não aceitar a derrota é declarar guerra. A grande contradição é que na guerra tudo se perde, nada sobra, até a dignidade se vai.  

No Brasil, fizemos todas as mudanças que foram feitas no mundo, sem guerrear, sem matança entre irmãos brasileiros.  

Os sistemas de governo que tivemos foram: Período colonial (1500-1822); Monarquia (1822-1889): Primeiro Reinado (1822-1831), Período Regencial (1831-1840), Segundo Reinado (1840-1889); República: Primeira República (1889-1930), Era Vargas (1930-1945), Quarta República (1945-1964); Ditadura Militar (1964-1985); Nova República 1985… Todas essas mudanças nós fizemos, e sem guerra. 

Acabamos com a escravidão sem guerra ao contrário dos EUA (entendendo que sem guerra não significa sem mortes, sem lutas e sem heróis).  

Não somos um povo com essa tradição, porém fizemos as mesmas mudanças, sem a guerra civil.  

Isso tem seu valor e esperamos continuar assim.  

Acredito que o Brasil contribui para o mundo, desde os pratos na mesa até as mudanças de governos, sem violência  

O presidente eleito terá uma plateia enorme e ativa, espero que se cerque de pessoas melhores do que em seu governo anterior e saiba conduzir o país para as próximas eleições. 

Em resposta à sua pergunta, sobre se quero expressar algo especialmente, tenho a dizer que gostaria de deixar um registro neste mundo de algo que pode ser muito pequeno e do qual acredito, trata-se de uma só palavra, RESPEITO.  

Devemos respeitar, o pensamento plural e as diferentes formas de estar neste mundo.  Com respeito, vamos crescer neste universo. 

RESPEITOSAMENTE, espero que consigamos! 

Arantxa:
Que boa sua aposta nessa jogada fora do frontão. Obrigado por sua comunicação, fico no fronton ouvindo o nano-mundo contra uma parede onde a bola rebate e volta sendo recebida por uma cesta de mão que é lançada no espaço repetidamente até que tudo se torne um verdadeiro JAI ALAi. Foi isso que você fez comigo hoje, muito obrigada! 

Um grande abraço. 

Soraya:
Me sinto muito honrada com sua amizade, carinho e consideração. Já posso imaginar um jogo de JAI ALAI, tendo você como zagueira e eu como atacante, mas em outra galáxia! Partimos daqui em direção ao universo em nossa Arca Cancha (arca de Noé), às vezes vencendo outras vezes perdendo, mas SEMPRE JOGANDO. 


Eusko Jaurlaritza